Feminazi

Contextualizando um pouco…

Ontem, no blog do Nassif, foi publicado um texto que provocou muita indignação na blogosfera feminista. Só para contextualizar um pouco a história, o Nassif publicou um comentário avulso do André, em que o autor critica as feminazis, que, segundo o autor, serve para designer “feministas radicais” (seja lá o que isso queira dizer, mas enfim…) Na verdade, o que me espantou muito (e à maioria das integrantes da lista “blogueiras feministas”, foi ver um texto com um alto teor preconceituoso publicado num blog de esquerda, dito progressista, sem nenhuma ressalva por parte do dono do blog. Até, então, não fica muito claro para mim qual é o posicionamento  de Nassif em relação aos comentários de André, pois o comentário só foi descontextualizado e  colado num post, sem maiores explicações. O que tendo a pensar, quando vejo algo assim, é que quem publicou o post concorda com a opinião ali exposta. Caso não seja assim, então devo dizer que Nassif falhou em não explicitar as razões de publicar um post com tal teor reacionário.

Alguns equívocos contidos no texto de André

Na tentativa de demonstrar as incoerências dos comentários de André, transformados num post por Nassif, algumas pessoas, incluindo a Lola, fizeram posts para explicar como os argumentos de André são falaciosos e preconceituosos (vale ressaltar que a assertividade das respostas rendeu o título de « barraqueiras » àquelas que se manifestaram. Aliás, essa palavra é frequentemente utilizada para se referir pejorativamente a mulheres, apenas. Ou você já viu algum homem ser chamado de « barraqueiro » ? Mas divago…). Aí vão alguns argumentos levantados pela Lola (suprimi alguns trechos irônicos, já que ironia feminina pode ser poerigosamente rotulada de « barraco) :

1-      «André diz que feminazis são feministas radicais, sem definir exatamente o que seria esse radicalismo. Ele parte da dúvida “Seria Dilma uma feminazi?” (pois Dilma, numa entrevista pro Washington Post, disse que era contra o apedrejamento de mulheres). Mais adiante, nos comentários, ele diz que sim, a declaração de Dilma poderia ser interpretada como de uma feminazi, já que ela condenou apenas a morte de mulheres, não de homens. Ou seja, sempre que estivermos falando de estupro, devemos dizer que somos contra os estupros de homens também. Caso contrário, estaremos nos manifestando a favor do estupro de homens. Hum, sério, você já conheceu alguém que fosse contra o estupro de mulheres, mas não o de homens? »

2-      André não fala coisa com coisa, e isso fica ainda mais visível quando ele se atrapalha nos comentários. É incapaz de uma argumentação linear. Por exemplo, quando alguém lhe ensina que o termo feminazi foi criado em 1992 pelo ultraconservador Rush Limbaugh, André diz que só porque algo foi criado por alguém não muito bem-credenciado não significa que haja um erro, e, como exemplo, diz que, se não fossem os americanos, não haveria internet, ou que o rap não deve ser odiado por ser popular entre “a bandidagem”. Hã?

3-      O mal de André com as feminazis é que, pelo que pude entender, algumas mulheres não gostam dele e o veem como inimigo, só porque, em outro post também publicado pelo Nassif, ele defendeu o Dia do Homem, tadinho. Tipo, pra ele as profissões mais mal pagas cabem aos homens. Tsc, tsc. No grande livro que é Backlash, Susan Faludi explica justamente o contrário. Na nossa sociedade, um dos trabalhos que um homem com menor qualificação pode ter é auxiliar de pedreiro. Para a mulher, é empregada. Em geral, um auxiliar de pedreiro ganha mais que uma empregada. Um pedreiro ganha mais que uma cabeleireira. Assim como um chef ganha mais que uma cozinheira. Um estilista de moda ganha mais que uma costureira. Precisa continuar? Fazer com que certas profissões sejam identificadas apenas a um gênero (a maior parte dos psicólogos é mulher; a maior parte dos psiquiatras é homem — quem ganha mais, um psicólogo ou um psiquiatra?) é uma forma de fazer com que mulheres recebam menos que homens. Adoraria ver uma estatística que provasse que não, mulheres têm salários maiores no nosso mundo. Ha, não tem nem quando exercem a mesma função!

 

4-      Nos comentários, André especifica que feminazis são mulheres que querem o extermínio de todos os homens. Hã, talvez tais mulheres existam (eu nunca conheci, mas tem louco pra tudo), mas digamos assim, elas são representativas de alguma coisa?

Acho este último trecho importante, pois o equívoco de André (e de todos aqueles que se dizem contra o feminismo), a meu ver, nasce de uma ignorância em relação ao feminismo. Elas costumam pensar que as feministas odeiam os homens, que são contra os homens e querem destruí-los ou que o feminismo é um machismo ao contrário quando, na verdade, o feminismo só prega a igualdade de direitos. Ser a favor do direito das mulheres não significa ser contra o direito dos homens, certo ?

O equívoco do termo “feminazi”

Bom, voltando à “vaca fria”, por que o termo feminazi gerou tanta indignação ? Porque ele reflete ignorância (pra dizer o mínimo) por parte de quem o usa. É um termo que encontra respaldo apenas no preconceito. A Cynthia Semíramis explicou isso de forma bem didática num post. Reproduzo algumas explicações :

1-      Feminazi é um termo que mostra completa ignorância a respeito não só de feminismo e luta pelos direitos das mulheres, mas de conhecimentos básicos de história. Feministas foram perseguidas pelos nazistas, que tinham uma visão extremamente limitada: mulheres deveriam obrigatoriamente ser mães, portanto estudos superiores e creches foram limitados, e aborto e métodos contraceptivos foram proibidos. O discurso feminista de emancipação das mulheres foi atribuído aos judeus, aumentando os motivos para persegui-los. A política nazista é anti-feminista, como bem demonstrou Kate Millett.

 

2-      Em suma: feminazi é um termo que denota ignorância ou má-fé de quem o profere, pois vai contra tudo o que se sabe sobre nazismo e sobre feminismo. Feminazi é um termo que só é utilizado por conservadores para tentar desqualificar quem luta pela implementação dos direitos das mulheres.

 

O receio da Cynthia (e o meu também) é que o termo comece a ser usado a torto e a direito pela mídia, sem que se atente para o fato de que, no fim das contas, trata-se de uma manipulação conservadora ou, no mínimo, de uma ignorância histórica.

 

O perigoso conservadorismo da esquerda nas discussões de gênero

Na verdade, o que me assutou (e me deixou bem triste), foi ver um termo com alta carga de pereconceito ser utilizado num blog progressista sem nenhuma ressalva. Na verdade, pra mim, isso só legitima o pensamento conservador, a partir do momento em que o próprio Nassif não faz questão nenhuma de diferenciar sua voz da voz da direita. Reproduzo alguns argumentos da Marília Moschkivich, qua aborda não só a attitude do Nassif, mas tantas outras de pessoas que se autointitulam e são intituladas como « progressistas » [grifos da autora]:

1-      A reflexão que quero fazer aqui é de um buraco mais embaixo: o machismo da esquerda, dos progressistas, dos revolucionários. Bem, que um conservador do PP, do PSDB, etc. exiba por aí seu machismo, é esperado. Afinal de contas, em momento nenhum eles pregam a igualdade, a justiça social, etc. O problema maior é quando todos aqueles que se dizem em busca de “um mundo melhor” ou do tal “outro mundo possível” (pra relembrar o mote dos fóruns sociais mundiais) esquecem-se de que as mulheres estão incluídas nessa “justiça”, “igualdade” e “sustentabilidade”.

 

2-      Historicamente entre os partidos comunistas, as questões das mulheres são colocadas em segundo plano, como se a mudança no modo de produção fosse automaticamente instaurar a igualdade de gênero. Como se a classe trabalhadora não tivesse práticas machistas ela mesma – como se tudo fosse uma consequência do capitalismo. Não é. A “causa das mulheres” (mais creches, ou licença maternidade, salários iguais, etc) é considerada secundária e as nós feministas somos consideradas divisionistas, o que representaria um problema na revolução.

 

3-      A esquerda é cheinha de indícios deste tipo de pensamento, a começar pelo fato de que seus partidos não fazem esforço ALGUM para eleger igualitariamente mulheres e homens e têm muito poucas mulheres em diretorias e cargos de poder. Isso sem falar em práticas ainda mais chocantes de militantes, como no PCO pedirem às militantes que usem seu poder de sedução para trazer novos membros e filiados aos partidos. Juro, história real, de uma amiga. Aconteceu mesmo.

 

4-      Ou seja: o discurso é lindo! Revolução, socialismo, comunismo, ecovilas, sustentabilidade ambiental, economia solidária, redes, UHU! Mas quando vamos falar em abolir práticas machistas, opressoras, de dominação, somos comparadas a nazistas. Somos chamadas de chatas e loucas por insistir tanto nesse assunto, como se as mulheres tivessem salários iguais, acedessem a posições iguais no mercado de trabalho, tivessem o mesmo apoio que os homens têm das famílias em suas empreitadas individuais, etc.

Na verdade, a intenção aqui não é de “pichar o Nassif”, mas de pegar o caso como um exemplo ilustrativo de como vários equívocos em relação ao feminismo são simplesmente disseminados por aí. Nossa preocupação é ver isso ocorrendo, inclusive, em meios progressistas, em que acreditamos (ou acreditávamos) ser possível um debate lúcido sobre a igualdade de gêneros. Porque, se um comentário preconceituoso sobre as feministas pode ser publicado, temos direito de resposta. Ou não ?

3 Comentários »

  1. […] supremacia de um gênero sobre o outro, totalitarismo e extremo racismo? Ao se utilizar o termo feminazi definem-se características não apenas para uma feminista, mas para todo o movimento, pois note […]

  2. […] supremacia de um gênero sobre o outro, totalitarismo e extremo racismo? Ao se utilizar o termo feminazi definem-se características perversas não apenas para uma feminista, mas para todo o movimento, […]

  3. jampapt said

    Gostei muito do discorrer de sua argumentação. Acompanhei essa polêmica na época e outro aspecto me interessou nesse debate: http://migre.me/3H54M Fico achando que o feminismo incomoda tanto porque ele divide não a luta política, mas a clareza que os homens tem sobre o machismo neles entranhado.

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